O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Exército Brasileiro a retirada do nome do general Aurélio de Lyra Tavares do 1º Grupamento de Engenharia, sediado em João Pessoa. A medida se baseia no argumento de que manter a homenagem fere os princípios democráticos e compromete o dever do Estado brasileiro com a memória, a verdade e a não repetição de violações de direitos humanos.
Além disso, o MPF sugeriu a criação de um espaço de memória e informação no próprio quartel, com o objetivo de preservar a verdade histórica e promover a educação em direitos humanos e valores democráticos. A proposta segue diretrizes adotadas por sociedades democráticas no enfrentamento dos legados de regimes autoritários.
O procurador da República José Godoy, responsável pela recomendação, destacou que esclarecer as violações cometidas no período da ditadura tem um papel transformador. “Ele rompe com o silêncio e estabelece um marco claro de que o Estado brasileiro não tolera e não repetirá práticas autoritárias”, afirmou.
O papel de Lyra Tavares na ditadura
Natural da Paraíba, Aurélio de Lyra Tavares (1905–1998) teve papel central na consolidação da ditadura militar. Foi comandante do IV Exército logo após o golpe de 1964, assumiu o Ministério do Exército entre 1967 e 1969 e integrou a junta militar que governou o país durante o afastamento do presidente Costa e Silva, em 1969.
Nesse período, foi um dos articuladores dos Atos Institucionais nº 5 e nº 12 — o primeiro, símbolo do endurecimento do regime; o segundo, responsável por declarar o país em “guerra revolucionária”. Também participou da elaboração do Decreto-Lei nº 898, que instituiu a nova Lei de Segurança Nacional, prevendo medidas extremas como banimento, prisão perpétua e pena de morte.
Mesmo após deixar cargos executivos, o general seguiu atuando nos bastidores. Entre 1970 e 1974, como embaixador do Brasil na França, foi envolvido em esquemas de monitoramento e vigilância de exilados políticos.
Apesar desse histórico, em 1999 o 1º Grupamento de Engenharia passou a receber seu nome oficial.
O quartel e a repressão
Relatórios da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba e da Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa identificaram o quartel como cenário de prisões políticas, vigilância e repressão a opositores do regime militar. Entre os nomes citados está o de Elisabeth Teixeira, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, preso e morto em 1962. Elisabeth foi detida no local e é uma das figuras centrais do documentário Cabra Marcado para Morrer.
Depoimentos de vítimas e documentos oficiais reforçam que o prédio foi palco de tortura, violência e maus-tratos durante interrogatórios.
A recomendação do MPF busca reparar simbolicamente esses episódios, realçando a importância da preservação da memória e da democracia.