A proposta de reforma tributária apresentada na terça-feira, pelo relator do grupo de trabalho (GT), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), com a aplicação da cobrança do imposto sobre bens e serviços — Imposto sobre Valor Agregado (IVA) — no destino, se aprovado, mudará a divisão do bolo tributário entre estados e municípios, com ampliação da arrecadação das unidades com maior participação no consumo, mesmo que contem com pequena participação na produção.
Ainda sem estimativas fechadas sobre a fatia de cada estado e município no novo bolo fiscal, a implementação da nova forma de cobrança dos tributos no destino, onde acontece efetivamente o consumo, e não mais na origem, altera de forma significativa a participação de cada ente federativo, apontam os estudos do Ipea (Instituto de Política Econômica Aplicada), mas os efeitos dessas mudanças devem acontecer gradativamente, em um longo período de transição, não menor que 20 anos, apontam os especialistas.
A mudança irá favorecer estados e municípios com grande participação no consumo, como Brasília, e, somada à renda mais elevada da população da capital, fará “o Distrito Federal ter uma nova fonte de financiamento, com aumento de sua receita própria”, assegurou o economista e pesquisador do Ipea Sérgio Gobetti, especialista em federalismo tributário. Gobetti que é ex-secretário-adjunto de Política Fiscal e Tributária e atual assessor da Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, vem se dedicando ao estudo dos impactos da reforma tributária com base nas propostas de emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, que subsidiaram o texto apresentado pelo GT da Câmara sobre o tema.
Perdas para Amazonas, Espírito Santo e Mato Grosso
Segundo ele, assim como o DF, também devem ser beneficiados com a reforma o estado do Rio de Janeiro e todos os do Nordeste. Por outro lado, vão perder percentual de participação no bolo tributário Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, onde a base consumidora é menor em relação à arrecadação proporcionada na produção local. Nos demais estados, as diferenças entre perdas e ganhos tendem a ser menores e mais equilibradas. “Quem perde mais é o Amazonas, o Espírito Santo e o Mato Grosso. São Paulo perde em valor absoluto bastante, mas em termos relativos é consideravelmente pouco”, comenta Gobetti.
Mas o Distrito Federal será, proporcionalmente, a unidade da Federação mais beneficiada pela proposta de reforma tributária, “O Distrito Federal é o ente federativo em que a reforma trará os maiores ganhos. Tem um amplo mercado consumidor, não só na quantidade, o maior poder aquisitivo, a maior renda, é um dos raros casos em que uma cidade rica ganha. Porto Alegre é outro exemplo. Não chega à mesma configuração (de Brasília), mas, como tem muito servidor público, uma renda (e consumo) um pouco mais alta, será outra cidade que haverá ampliação na arrecadação com a reforma”, apontou o economista.
Na esfera municipal, as cidades que investiram na “guerra fiscal”, com incentivos tributários sobre o Imposto sobre Serviços (ISS) para atrair empresas, teriam uma grande perda de receita se a reforma tributária não tivesse um período de transição, que durará no mínimo 40 anos. A cidade de Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, é o melhor exemplo disso. Com uma população de apenas 270 mil habitantes, nos últimos anos atraiu grandes conglomerados de serviços financeiros e de tecnologia, que deixaram a capital paulista em função das alíquotas reduzidas do ISS. Segundo o estudo do Ipea — também assinado pelo pesquisador Rodrigo Orair e pela economista Priscila Monteiro — , a cidade paulista tem a maior receita per capita de ISS do país, cerca de R$ 6 mil por habitante ao ano.
“Barueri será uma cidade que perderá com a reforma. Para se ter uma ideia, a cidade arrecada R$ 6 mil por habitante/ano de ISS. A capital, São Paulo, arrecada algo em torno de R$ 1,5 mil por habitante/ano. Ao mesmo tempo, cerca de 60% dos municípios brasileiros não arrecada nem R$ 100 por habitante ao ano desse tributo”, aponta o economista.
Na média, os 3,2 mil municípios classificados como pobres em ISS, arrecadam cerca de R$ 47 por habitante. “A regra matriz do ISS define que sua receita pertence ao local do estabelecimento prestador dos serviços, ou seja, ao município em que estão instaladas as sedes das empresas do setor, que são contribuintes do imposto municipal. Se a demanda por serviços já é concentrada nas cidades mais ricas, a atribuição de competência tributária ao local da sede amplifica as distorções”, aponta o estudo, evidenciando o caráter concentrador da atual estrutura tributária.
Transição longa
Outro princípio da reforma é que o impacto fiscal seja nulo na arrecadação e na participação das três esferas federativas. Mas com a mudança da tributação para o destino, a distribuição do bolo, dentro do mesmo nível administrativo, entre os estados e entre os municípios, deve ser alterada. Para evitar perdas na arrecadação de cidades e estados, a solução encontrada foi fazer um período de transição que garantirá para cada estado e município, no mínimo, a arrecadação no ano de corte (corrigido anualmente pela inflação) durante essa transição, que deve durar entre 40 e 50 anos. A projeção é que com as regras de transição e com o crescimento do PIB ao longo desse tempo, não haverá redução da arrecadação em nenhuma cidade ou estado.
A duração e forma como essa transição será realizada deve ser o principal embate político de negociação no Congresso, já que os estados e municípios que perdem devem tentar ampliar ao máximo esse prazo, enquanto unidades como o Distrito Federal devem pressionar por uma transição mais rápida.
“Os que perdem fatia no bolo (tributário) vão querer que a transição seja mais lenta, que leve mais tempo. Já quem ganha vai pressionar por uma mudança mais rápida, para receber mais recursos no prazo mais curto”, explica Gobetti. “É aí que se dará a negociação da regra de transição, se a mudança da origem para o destino, do modelo atual para o novo, será mais célere ou mais lenta. Mas isso não envolve o governo federal, será uma negociação entre governadores e prefeitos.”
Segundo Gobetti, em todos os cenários avaliados pelos pesquisadores, a regra que prevê dois períodos sucessivos de transição, de 20 anos cada, será suficiente para que todos os estados, após o primeiro período, já estejam arrecadando mais do que atualmente, mesmo considerando um cenário de crescimento sem a reforma. No caso dos municípios, apenas 2% não terão, ao fim do primeiro período, chegado a esse patamar. E essas projeções são pessimistas, já que não contabilizam a ampliação esperada no PIB, da ordem de cerca de 0,5% a mais por ano, em função dos ganhos de produtividade com a simplificação do sistema tributário, que projeta um crescimento adicional de 12% no PIB em 20 anos.
“A combinação entre regra de transição e crescimento econômico vai mitigar o impacto das mudanças sobre os entes federativos, proporcionando potenciais ganhos de arrecadação para, pelo menos, 98% dos municípios brasileiros no cenário em que a reforma produza efeitos moderados sobre a produtividade”, aponta um dos estudos em suas conclusões.
O consenso entre os especialistas é que a reforma tributária “causará um importante impacto redistributivo na Federação”. “Na esfera municipal a unificação da base tributária de bens e serviços e a aplicação da tributação no destino, proporcionará uma redução substancial das desigualdades e trará benefícios para as cidades mais pobres, sejam pequenas ou grandes”, diz o estudo.
CB