Será a sexta vez que o BC não consegue atingir o objetivo anual determinado pelo Conselho Monetário Nacional, desde 1999. Em 2017, o piso foi rompido e, nas outras, o teto furou
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, realiza a última reunião do ano, amanhã e quarta-feira, em clima de derrota no cumprimento da meta de inflação. Será a sexta vez na qual o BC, que tem como missão principal preservar o poder de compra do real, não consegue atingir o objetivo anual determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) desde o início do regime de metas, em 1999. Apenas em 2017, o piso foi rompido e, nas outras, o teto furou. E, segundo analistas, tudo indica que o mesmo vai acontecer em 2022.
A meta de inflação deste ano é de 3,75%, com limite superior de tolerância de 5,25%. Mas esse teto já foi superado no acumulado em 12 meses do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde março, quando somou 6,10% e o indicador não parou mais de subir. Naquele mês, o Copom iniciou o novo ciclo de alta da Selic (taxa básica da economia), que estava no piso histórico de 2% anuais, e tudo indica que deverá continuar os juros, pelo menos, até abril ou maio do ano que vem.
A Selic está em 7,75% ao ano e as apostas para a próxima reunião do Copom estão concentradas em uma alta de 1,50 ponto percentual, o que levará os juros básicos para 9,25% neste fim de ano. Antes, havia uma expectativa de que o choque monetário fosse maior (de, no mínimo, 1,75 ponto porcentual), porque as previsões para a inflação de 2022 indicam estouro do teto da meta, de 5%. Mas, como a conjuntura econômica não está favorável, o consenso convergiu para a alta sinalizada pelo BC na reunião de outubro. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) indicando que o país entrou em recessão técnica — quando há dois trimestres negativos seguidos — e a chegada da nova variante da covid-19 ao Brasil ajudaram nessas projeções.
Por conta disso, especialistas acreditam que o BC não vai pesar muito nos juros para evitar uma recessão mais profunda. O consenso entre analistas após a divulgação do resultado do PIB do terceiro trimestre, na última quinta-feira, de queda de 0,1%, seguindo um recuo atualizado de 0,1% para 0,4% nos três meses anteriores, é que a economia está estagnada. Com isso, as revisões de crescimento do PIB deste ano abaixo de 5% e as apostas de queda do PIB em 2022, especialmente, se a Selic ficar acima de 11% ao longo do ano que vem, ganham mais força.
A inflação está persistente e acima de dois dígitos desde setembro. Especialistas reconhecem que vai ser um grande desafio para a autoridade monetária conseguir cumprir a meta de inflação enquanto o governo dá sinais claros de deterioração fiscal ao fazer de tudo para aumentar os gastos em ano eleitoral. A mudança na regra do teto de gastos e o calote em dívidas judiciais com a aprovação da PEC dos Precatórios, que amplia em mais de R$ 100 bilhões o espaço para o governo gastar, deterioraram as projeções do mercado e aumentaram as estimativas de alta do dólar. Mesmo assim, analistas acreditam que o BC será mais “dovish” na condução da política monetária, ou seja, termo derivado do pombo que classifica os bancos centrais mais lenientes com a inflação, elevando os juros gradualmente.
A mediana das estimativas do mercado para o IPCA de 2022, coletadas pelo BC no boletim Focus, está em 5%, mas analistas admitem que a carestia no ano que vem vai superar esse patamar, porque a inflação não deverá ceder tão facilmente. “A inércia inflacionária vai fazer com que o IPCA fique acima de dois dígitos, pelo menos, até abril ou maio”, alerta o economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho. Pelos cálculos dele, mesmo se a Selic for a 12% no primeiro trimestre de 2022, o IPCA ficará perto de 6% em dezembro.
“A indexação elevada da economia faz com que a inflação estrutural seja elevada, e, para 2022, ela está acima de 4%, sem incluir os impactos de reajustes em tarifas, aluguéis e salários que devem ocorrer ao longo do próximo ano”, destaca Velho, que prevê alta de 1,5 ponto percentual nos juros. Ele reconhece que a atividade mais fraca vai pesar na decisão do colegiado, porque, além da queda do PIB do terceiro trimestre, outro sinal preocupante recente da atividade foi o recuo de 0,6% na produção industrial de outubro, que não era esperado pelo mercado na sexta-feira.
Credibilidade
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), prevê que o IPCA deverá encerrar o ano de 2022 entre 6% e 6,5%, e, para ele, a única saída para o BC será mudar a meta de inflação, que é decrescente e será muito difícil de ser cumprida. Para Velho, entretanto, uma mudança de meta de inflação acabará com o último resquício de credibilidade do governo, que já mudou a regra do teto quando viu que ela não seria cumprida. “É muito arriscado mudar a meta de inflação. Será um sinal muito ruim para o mercado e fará com que os prêmios de risco para os títulos públicos aumentem ainda mais, encarecendo a dívida pública”, alerta.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, manteve a previsão de alta de 1,50 ponto percentual na Selic no próximo Copom e não descarta que o cenário de estagflação — de baixo crescimento, inflação e desemprego elevados. “Creio que o Banco Central não vai acelerar a alta agora, por conta dos sinais de atividade mais fraca. A dúvida fica clara sobre o ponto de chegada da Selic. Ainda mantemos 11,75% (no fim do ciclo), pois a inflação não tem dado sinais de que vai arrefecer, especialmente, lembrando que 2022 vai ser um ano político tenso e com o dólar elevado ao longo do próximo ano”, afirma.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, conta que também manteve a previsão para a Selic em 9,25% no fim do ano. Ele acredita que os juros básicos chegarão a 11% em março. “O foco principal do BC continuará sendo a inflação, mas ele vai seguir aquela máxima de que para matar o carrapato não precisa colocar fogo na vaca”, afirma.
Apesar de também apostar em alta de 1,50 ponto percentual na Selic no próximo Copom, José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, avalia que o BC vai adotar uma política monetária “dovish” e abandonar a meta do ano que vem, porque não conseguirá trazer a inflação de 2022 para menos de 5%. Ele não descarta a possibilidade de o dólar passar de R$ 6 no ano que vem, por conta da deterioração fiscal, que acaba dificultando o trabalho do BC no controle da inflação.
Correio Braziliense