As maiores dificuldades de moradores de favelas em todo país no acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer estão na demora em realizar agendamentos de exames (82%) e no acesso a instituições de saúde (69%). As informações fazem parte da pesquisa Oncoguia “Percepções e prioridades do câncer nas favelas brasileiras”, realizada pelo DataFavela e o Instituto Locomotiva.
O levantamento foi divulgado nesta terça-feira (9), em Brasília. A pesquisa escutou 2.963 pessoas, maioria de raça negra, classes D e E, de todas as regiões do país, entre os dias 18 de janeiro e 1º de fevereiro deste ano. A maioria do público ouvido depende exclusivamente do SUS (82%).
Entre os entrevistados, 70% disseram que tentam cuidar da saúde, mas relatam que nunca encontram médico no posto de saúde e os exames demoram muito. A pesquisa revelou, por exemplo, que 45% dos moradores de favelas têm dificuldade para chegar na Unidade Básica de Saúde (UBS), levando, em média, uma hora nesse trajeto.
Em outro trecho, 41% dos entrevistados responderam que não costumam fazer exames ou só realizam quando estão doentes. Esse índice cai para 34% entre pessoas que têm 46 anos ou mais.
Para a fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, esses dados mostram a desigualdade no acesso à saúde no Brasil, além de indicarem a falta de transparência nas informações para a população.
“Tem muito tempo que a gente acompanha esses problemas e, literalmente, nada acontece. Uma coisa são as filas e a gente sabe que elas são grandes, mas a gente não sabe de que tamanho é a fila, porque demora, o que está acontecendo. E mais do que não saber enquanto sociedade, existe um paciente esperando, sabendo que o câncer dele precisa ser tratado e isso tem um impacto gigantesco e complexo – inclusive correndo o risco de a doença avançar”, disse.
Ausência do Estado
Na avaliação do fundador do Data Favela, Renato Meirelles, o estudo mostra os reflexos do abandono do Estado nestas comunidades.
“A favela não é um nicho. Se fosse um estado, seria terceiro maior do Brasil. São mais de 13.500 favelas brasileiras, com quase 18 milhões de habitantes. As favelas são concentrações geográficas pelo Brasil e formadas majoritariamente pela população preta e parda desse país”, ressaltou. “A favela concentra a desigualdade de renda porque mercado informal domina a favela, porque muita gente não contrata morador de favela pelo simples fato de eles morarem em uma favela”.
Mitos
A pesquisa identificou os principais mitos envolvendo o câncer entre os moradores de favela e apareceram respostas como: “o tabaco causa apenas câncer de pulmão” ou “alimentos cozidos no forno micro-ondas provocam câncer”.
Nas comunidades, 11% não sabem dizer se o câncer é contagioso e 19% acham que o câncer é “castigo divino”. Outros 31% acreditam que pessoas negras não têm câncer de pele.
“Muitas vezes a informação não quer ser recebida pelas pessoas. É aquela história: ‘se eu não olhar, não existe'”, disse Meirelles.
Ao todo, a pesquisa mostrou que 63% dos ouvidos fazem associação negativa relacionada ao câncer. Por outro lado, 22% fazem associações otimistas. “A primeira palavra que vêm à cabeça quando escutam a palavra câncer é: morte, seguido de sentimentos negativos e sofrimento, dor e tristeza”, indica o levantamento.
Para 84% dos moradores de favela, há casos de câncer em seu círculo social. “A experiência que essas pessoas têm com quem recebe o diagnóstico é muito negativa. Dos que responderam, 66% relataram ter parentes que morreram por câncer e 44% amigos que morreram por esse tipo de doença”, ressaltou o fundador do Data Favela.
Falta de informação
Sete em cada 10 moradores de favela acham que têm menos acesso à informação sobre prevenção e diagnóstico precoce da doença. Para 68% dos entrevistados, a prevenção é importante, mas não têm acesso às unidades de saúde adequadas.
“Educação é fundamental para prevenção, mas sem diagnóstico não resolve. Educação sem equipamento de saúde, não resolve”, destacou Meirelles.
O principal obstáculo para o diagnóstico precoce é a dificuldade para marcar exames na rede pública (40%), outros 25% indicaram a desinformação como maior problema.
Edição: Carolina Pimentel