Bruno Pereira e Dom Phillips são os dois últimos nomes inscritos na trágica lista de pessoas que morreram por defender a preservação da floresta e os povos que lá habitam, como o ambientalista Chico Mendes e a missionária Dorothy Stang
“Está todo mundo muito triste.” O sentimento de um dos índios que ajudaram nas buscas do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips sintetiza a comoção que tomou conta de todos que ajudaram, ao longo de 10 dias, os trabalhos de localização dos corpos no Vale do Javari. O assassinato dos dois repercutiu no mundo todo, e ampliou a lista de ambientalistas, indígenas e ativistas mortos na Amazônia por lutar pela preservação da floresta e de seus povos tradicionais.
Em 1988, o ambientalista Chico Mendes foi assassinado com tiros de escopeta no peito, na porta dos fundos da casa dele, no município acriano de Xapuri, quando saía para tomar banho. Nascido 44 anos antes, na mesma Xapuri onde morava, Chico Mendes era seringueiro, sindicalista e um dos mais conhecidos ativistas da causa ambiental do país.
Após o crime, Mendes tornou-se símbolo da luta pela proteção da Amazônia e de seus moradores, em especial, os seringueiros, que sobrevivem, até hoje, da extração do látex.
Chico Mendes foi assassinado por Darcy Alves da Silva, a mando do pai dele, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Em dezembro de 1990, depois de um julgamento que durou quatro dias, os assassinos foram condenados a 19 anos de prisão. Em 1992, Darly Alves chegou a ter seu julgamento anulado pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre, mas, um ano depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou a decisão da corte acriana e manteve a condenação pelo assassinato de Chico Mendes.
Três anos mais tarde, Darly Alves ganhou o direito de passar os dias fora da cadeia. Após o cumprimento das penas, os dois voltaram a viver em Xapuri.
A execução de Mendes foi manchete dos jornais do mundo inteiro. Após o crime, o governo brasileiro sofreu pressão internacional para coibir o desmatamento e as más condições de trabalho na Amazônia e para preservar terras indígenas.
Diante das repercussões, o Brasil criou as reservas extrativistas. Em 1990, a primeira foi homologada, justamente a Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex), em Xapuri.
“A história de Chico Mendes é uma história muito bonita. Ele foi uma pessoa que percebeu a importância de alianças com a área ambiental, já que todos precisavam da floresta em pé. O legado é importantíssimo. Foi a partir de sua atuação que surgiram as reservas extrativistas. Foi uma proposta muito revolucionária, de ter conservação junto às atividades de comunidades tradicionais”, disse um servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que preferiu não ser identificado.
O ICMBio foi criado em agosto de 2007, resultado do desmembramento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na gestão da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O instituto passou a cuidar da gestão das unidades de conservação em âmbito federal, inclusive com papel de polícia.
Missionária e ativista
O assassinato da missionária dos Estados Unidos naturalizada brasileira Dorothy Stang também teve repercussão mundial. Ela chegou ao Brasil em 1966 e passou a militar nos movimentos de proteção ambiental e de defesa dos direitos de trabalhadores rurais envolvidos em conflitos por terra.
Stang foi violentamente morta aos 73 anos, com seis tiros, em fevereiro de 2005, em uma emboscada armada em uma estrada de terra, a 53km de Anapu, cidade paraense em que vivia. Ela fora responsável pela instalação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) em um assentamento de trabalhadores sem-terra que exploravam recursos florestais sem agressão ao meio ambiente. O projeto era vinculado ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). No entanto, a área era disputada por madeireiros, grileiros e latifundiários da região.
Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica, desde 1996, o advogado José Batista Afonso conheceu a missionária e ativista, chegando a atuar em processos judiciais abertos por ela. “Na época, eu estava na coordenação nacional da CPT em Goiânia. Nem imaginávamos que alguém pudesse atentar contra uma pessoa como Dorothy — idosa, religiosa e que defendia as causas dela. Foi um choque muito grande”, relembrou ele.
“Para a Comissão e para os movimentos sociais, foi uma perda enorme. Dorothy era uma incansável defensora dos direitos à terra e ambientais. Ela tentava conciliar coisas que sempre foram muito conflitantes no Brasil: um projeto de assentamento que fosse sustentável para a floresta.”
Pressão internacional
Dorothy pediu a fazendeiros vizinhos que não plantassem capim nas terras do projeto, pois atrapalhava a roça dos assentados. Uma semana depois do crime, após relato de uma testemunha, a polícia prendeu os pistoleiros Rayfran e Clodoaldo, que confessaram ter matado a missionária e apontaram os fazendeiros Vitalmiro de Bastos de Moura (Bida) e Regivaldo Galvão (Taradão), como mandantes. Também apontaram a participação de um intermediário, Amair Feijoli da Cunha (Tato).
A repercussão do crime abalou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu críticas internacionais e pressões para que enfrentasse o avanço desenfreado do desmatamento na Região Amazônica e a violência contra populações tradicionais e movimentos sociais. À época, Lula afirmou que “não descansaria” enquanto os responsáveis pelo assassinato fossem presos.
Justiça distante
Apesar de separadas pelo tempo, as mortes de Chico Mendes, Dorothy Stang, Bruno Pereira e Dom Phillips apontam para uma realidade que não mudou. Quem enfrenta os poderosos interesses dos exploradores da floresta corre perigo, são pessoas marcadas pelo medo de morrer.
Relatório preliminar da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc-CPT) aponta que, até maio deste ano, 19 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo, sem contar os casos de Bruno e Dom.
Informações do CPT apontam que apenas alguns crimes são julgados, e nem todos os envolvidos acabam presos ou cumprem pena. A impunidade e os trâmites jurídicos da justiça brasileira estão incluídos entre as principais causas da violência no campo.
“Um dos problemas que sempre tivemos em relação a assassinatos de ambientalistas é a punição de todos os envolvidos no crime. Na última década, só no Pará, foram centenas de assassinatos e, na maioria dos casos, não se apurou a responsabilidade completa pelo crime”, avaliou José Batista Afonso.
Para o advogado da CPT, ativistas e ambientalistas sempre foram negligenciados: “A CPT, há mais de 40 anos, faz o registro de defensores ameaçados e sempre cobrou, não só a proteção, mas, também, mudanças na questão do acesso à terra no campo. O Estado brasileiro sempre deu as costas para ativistas que defendem a questão ambiental”.
Entre as medidas citadas pelos entrevistados que precisam ser adotadas para diminuir a violência no campo estão julgar os processos criminais; punir pessoas que cometem os crimes; regularizar terras indígenas; fiscalizar, por meio dos órgãos ambientais, o avanço do desmatamentos; e agilizar o andamento dos inquéritos policiais.
Segundo a assessora política e de direito ambiental do Instituto Socioambiental ISA, Adriana Ramos, o governo brasileiro “precisa decidir” se vai assumir um posicionamento que proteja os ativistas no país ou se a impunidade continuará acontecendo na maioria dos casos.
“É preciso mudar a postura do governo e fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização e acabar com a impunidade. Os crimes precisam ser investigados e julgados”, argumentou ela.
Correio Braziliense