Brasileiro lidera o CTA, maior rede de telescópios do mundo; conheça o projeto

Brasileiro lidera o CTA, maior rede de telescópios do mundo; conheça o projeto

Observatório liderado por Luiz Vitor de Souza Filho ajudará a estudar raios gama e desvendar mistérios sobre matéria escura

Mais de 1.500 cientistas, além de instituições de pesquisa e empresas de 25 países, estão trabalhando em conjunto para construir o Cherenkov Telescope Array (CTA), que terá mais de 100 telescópios ligados em rede e será o maior observatório de fontes extremas de energia, como os raios gama, do mundo.

E tudo sob a liderança de um cientista brasileiro, o astrofísico Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos (IFSC-USP).

Sua implementação começou em 2013 e, depois de vários adiamentos, a previsão para sua conclusão é 2025. Quando estiver em plena operação, serão 118 telescópios de vários tamanhos, alguns deles com 23 metros de diâmetro. Desse total, 99 serão instalados nos Andes chilenos, na região do Cerro Paranal, e 19 na Ilha Canária de La Palma, na Espanha.

O CTA deve seu nome ao efeito Cherenkov, descoberto pelo físico russo Pavel Alexeevitch Cherenkov. Junto com seus compatriotas Igor Yevgenyevich e Tamm Il´ja Mikhailovich Frank, ele recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1958.

“O efeito Cherenkov é a emissão de radiação (luz) decorrente da passagem de uma partícula carregada com velocidade maior do que a velocidade da luz em um meio, como água ou ar, por exemplo”, explica Souza. “Ou seja, quando uma partícula com carga elétrica atravessa a atmosfera terrestre, ele produz uma rastro luminoso, que pode ser detectado pelos telescópios do CTA.” A velocidade da luz só não pode ser ultrapassada no vácuo.

Alguns números ajudam a entender melhor isso. A velocidade da luz no vácuo (c) é de 299.792,458 km/s e é insuperável. Mas em um meio qualquer é menor que esse valor. No ar perto da superfície terrestre, por exemplo, a velocidade da luz é de aproximadamente 299.702  km/s.

A velocidade de um elétron no ar pode ser maior que esse valor, mas é obrigatoriamente menor que 299.792 km/s, ou seja, é maior do que velocidade da luz naquele meio, mas menor que ela no vácuo. Resumindo, nada, seja no vácuo ou num meio qualquer, pode superar a velocidade de 299.792 km/s.

Em busca dos eventos extremos

Os telescópios CTA vão procurar os raios gama – também conhecidos como raios cósmicos –, que são emitidos pelos eventos mais extremos conhecidos do universo, como explosões de estrelas supernovas e colisões de buracos negros.

“O CTA será a próxima geração de telescópios dedicados à astronomia da radiação gama, portanto, para a observação do céu na faixa mais energética do espectro eletromagnético”, explica o astrofísico Ulisses Barres de Almeida, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e um dos três investigadores principais do CTA no Brasil – junto a Souza e à física Elisabete Dal Pino, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP

“O observatório investigará os eventos mais energéticos do universo, incluindo as condições físicas dos aceleradores cósmicos de partículas, tais quais buracos negros, pulsares, supernovas e surtos de radiação gama; além da composição e origem da matéria escura, os campos magnéticos do universo, e a violação da constância da velocidade da luz, que só é possível medir-se em raios gama”, explica Dal Pino.

De acordo com ela, o novo observatório terá uma melhora em sensibilidade de um fator 5 a 10 vezes mais que os atuais nas energias entre 100 gigaelétron-volts (GeV) e 10 teraelétron-volts (TeV). Por definição, um elétron-volt é a quantidade de energia cinética ganha por um único elétron quando acelerado por uma diferença de potencial elétrico de um volt, no vácuo.

  • 1 de 7Telescópio do Observatório CTA, instalado no ChileCrédito: CTA / Divulgação
  • 2 de 7Telescópios do CTA irão ajudar a entender matéria escuraCrédito: CTA / Divulgação
  • 3 de 7Equipe do CTA envolve mais de 1500 pesquisadoresCrédito: CTA / Divulgação
  • 4 de 7Telescópios do CTA irão ajudar a observar raios gamaCrédito: CTA / Divulgação
  • 5 de 7Quando observatório ficar completo, serão 118 telescópios em redeCrédito: CTA / Divulgação
  • 6 de 7O CTA deve seu nome ao efeito Cherenkov, descoberto pelo físico russo Pavel Alexeevitch CherenkovCrédito: CTA / Divulgação
  • 7 de 7Oo observatório terá três tamanhos diferentes de telescópios: de grande porte (LST), com 23 metros de diâmetros, de médio (MST) com 15 metros, e de pequeno (SST) com 4 metrosCrédito: CTA / Divulgação

“Com o CTA será possível detectar raios gama do cosmos numa faixa que compreende desde energias bem abaixo dos 100 GeV até acima dos 100 TeV, alcançando energias jamais observadas antes no universo”, diz Elisabete.

Para cobrir esta extensa faixa energética, o observatório terá três tamanhos diferentes de telescópios: de grande porte (LST), com 23 metros de diâmetros, de médio (MST) com 15 metros, e de pequeno (SST) com 4 metros.

Por meio da observação que será feita pelo conjunto de telescópios, será possível reconstruir a direção e energia da radiação gama que está vindo de fontes distantes do universo.

“O CTA é um experimento amplo e múltiplo desenhado para fazer descobertas ao invés de medidas incrementais”, explica Souza. “Os resultados do novo observatório trarão informações sobre escalas macro (astro) e micro (partículas) da natureza.”

Segundo o astrônomo Reinaldo Santos de Lima, do IAG-USP, que também participa do projeto, mais informações, detalhes e estatísticas de fontes astrofísicas, como supernovas, pulsares, núcleos ativos de galáxias, ou ainda regiões extensas da galáxia onde se produz radiação de altíssima energia, tornam possível compreender mais sobre as condições físicas destas fontes e ambientes.

“Também ajudam a entender os processos de geração e interações fundamentais das partículas super-relativísticas que geram esta radiação, os raios cósmicos”, acrescenta.

O CTA ajudará ainda a entender como as partículas fundamentais (prótons, nêutrons, elétrons, por exemplo) interagem em escalas de energia inacessíveis em experimentos na Terra, como o acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC) ou Grande Colisor Elétron-Pósitron, instalado na Suíça.

“Tais escalas energéticas de interação de partículas eram comuns nos primeiros momentos do universo após do Big Bang, mas só podem ser estudadas hoje nesses fenômenos astrofísicos extremos”, explica o físico e astrônomo Aion da Escóssia Melo Viana, colega de Souza no IFSC-USP, e também integrante do observatório.

Além disso, diz Viana,há a possibilidade de que se possa finalmente descobrir a natureza da misteriosa matéria escura, por meio da sua aniquilação ou desintegração nos centros de galáxias (como a própria Via Láctea), o que produziria uma luz tênue em raios gama que poderá ser detectada pelo CTA.

Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos, será lider do CTA / Divulgação / Acervo pessoal

O Brasil à frente do projeto

Não é por acaso que pesquisadores brasileiros estejam participando, com posições de destaque, do mais avançado observatório a ser construído.

“O Brasil tem longa experiência nesta área de pesquisa que recebe o nome de Astrofísica de Partículas (antigamente o nome mais usado era raios cósmicos)”, explica Souza.

De acordo com ele, entre os primeiros artigos científicos de física publicados em revistas de conhecimento internacional foram resultados nesta área de pesquisa, e tiveram como autores os brasileiros Marcello Damy e Paulus Pompéia, em 1940.

O físico brasileiro mais conhecido, César Lattes, também fez sua carreira nessa área de pesquisa. “Esses pioneiros plantaram as sementes de uma comunidade que hoje participa do CTA”, orgulha-se Souza.

Ainda segundo ele, nas últimas duas décadas, a comunidade brasileira abriu novas perspectivas da participação nacional ao envolver a indústria na construção de grandes observatórios, como o Pierre Auger, na Argentina, e o Southern Astrophysical Research Telescope, mais conhecido como SOAR, no Chile.

O Brasil também tem participação nos experimentos da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), que opera o LHC, cuja instrumentação tem algumas semelhanças com os observatórios de Astrofísica de Partículas.

Souza diz que essas iniciativas das últimas décadas, colocaram a comunidade nacional de Astrofísica de Partículas no mais alto patamar da ciência sendo feita nesta área.

Assim, o país se tornou um parceiro importante ao contribuir com conhecimento científico e inovação tecnológica.

“Por isso, em 2010 propus ao Consórcio Internacional do CTA a inclusão do Brasil”, conta. “Em função do histórico, fomos aceitos. Em seguida, iniciei a tarefa de formação de uma equipe nacional e de prospecção de empresas interessadas em participar. Foi um caminho árduo, mas depois de 11 anos, conseguimos destaque científico no Consórcio e participação da indústria nacional na construção dos telescópios.”

Ele próprio foi eleito recentemente, para um mandato de dois anos, como presidente da assembleia científica do CTA, o órgão máximo do observatório para a área de ciência e pesquisa.

“Minha escolha é resultado de uma longa história de sucesso da área de Astrofísica de Partículas do Brasil e em particular dos participantes no CTA”, diz. “Hoje já somos mais de 50 pessoas envolvidas com o CTA no Brasil. Eu me sinto muito honrado e desafiado ao assumir esta responsabilidade. O Observatório está em um estágio muito importante de transição entre protótipos e construção definitiva dos telescópios nos locais onde serão instalados, o que vai exigir muito da presidência da assembleia.”

Além dos pesquisadores, empresas brasileiras também participam da construção do observatório. É o caso da Orbital Engenharia, de São José dos Campos (SP), que venceu uma concorrência com uma empresa da Europa para desenvolver o projeto e construir a estrutura (braço) mecânica de sustentação das câmeras dos telescópios de médio porte.

“Ela tem aproximadamente 16 metros de altura e será instalada em telescópios com espelho de 12 metros de diâmetro, para dar sustentação e posicionar a câmera de duas toneladas”, conta o presidente da empresa, Célio Costa Vaz.

Essa estrutura possui vários requisitos de projeto, fabricação, interfaces, transporte, montagem e de vida operacional em ambientes agressivos, incluindo a resistência a terremotos.

Souza diz que, para a Orbital Engenharia, “com sua vocação e vasta experiência no desenvolvimento de tecnologias próprias voltadas para aplicações espaciais no país”,  essa escolha se mostrou como uma oportunidade para aplicar sua capacidade de engenharia espacial em um projeto desafiador de relevância internacional. “Também possibilitou a abertura de um novo mercado,  qual seja, o de fornecer apoio de engenharia à pesquisa científica em astrofísica em nível mundial”, diz

CNN Brasil

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