Nos planos do ex-juiz duas promessas se destacam: uma Agência de Combate à Pobreza e uma corte nacional anticorrupção no Judiciário; Moro também comenta os recentes reveses sofridos pela Operação Lava-Jato
Na prancheta em que arquiteta os planos para apresentar em 2022, o ex-juiz Sergio Moro já tem o rascunho de uma Agência de Combate à Pobreza (o nome ainda não está fechado) e a criação de uma corte nacional anticorrupção no Poder Judiciário. Esse último ponto tem particular relação com os reveses sofridos pela Operação Lava-Jato na semana passada, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antonio Palocci e outros condenados. “Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências”, afirmou Moro em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense.
Quanto à agência, o ex-ministro da Justiça faz um trocadilho com o slogan do atual governo, “Brasil acima de tudo”. Nas palavras de Moro, “as pessoas em primeiro lugar, as pessoas acima de tudo”. Hoje, ele está no Recife para lançar seu livro, Sergio Moro contra o Sistema da Corrupção. Em 288 páginas, o ex-magistrado faz uma defesa da Lava-Jato e explica suas decisões ao longo da operação. O ex-ministro da Justiça reconstitui, ainda, a passagem pelo governo Jair Bolsonaro.
Segundo o candidato do Podemos, o presidente “não está nem aí para o combate à corrupção”. Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisa que seu “navio já zarpou”, e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros tenham essa disposição. No embalo para 2022, o presidenciável lança ainda a candidatura do senador José Antônio Reguffe (Podemos) ao Governo do Distrito Federal. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Na semana em que o senhor lançou o seu livro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antônio Palocci e de outros réus da Lava-Jato. Como avalia essa decisão? O combate à corrupção acabou?
A luta contra a corrupção é perene, temos sempre que persistir. Durante a operação Lava-Jato foi revelado o maior escândalo de corrupção da história do país. Era esse verdadeiro sistema da corrupção que estava impregnado, durante o governo do PT, na Petrobras, mas também em outras estatais e em parte do governo federal. Infelizmente, até em governos estaduais. Conseguimos vencer a impunidade da grande corrupção. Quem roubava dinheiro público passou a ser julgado, passou a ser condenado. Muitas pessoas começaram a servir tempo de prisão. Alguns confessaram os crimes, que era algo mais ou menos inédito na história desse país. Devolveram, inclusive, parte desse dinheiro, milhões de dólares. Agora, esses reveses recentes são lamentáveis. Nós temos que respeitar os tribunais, mas, principalmente, temos que olhar para frente. Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências.
O que deve ser feito?
Precisamos mudar a nossa legislação em parte. Teremos, esta semana, uma votação importante na CCJ sobre a proposta de emenda constitucional da execução em segunda instância. É essencial que isso seja aprovado. Por outro lado, temos que pensar formas para aprimorar o combate à corrupção, inclusive nas cortes de Justiça. Por isso, no nosso projeto, que estamos apresentando, propomos a criação de uma corte nacional anticorrupção.
A Justiça tem estrutura para essa corte?
Temos que pensar um pouco fora da caixinha. Fui juiz por 22 anos, tenho um grande respeito pelo Judiciário e por seus servidores. Infelizmente, nós também temos que reconhecer que o nosso Judiciário é muito custoso. Ele presta um serviço que não é eficiente. A gente fala muito de corrupção. E, realmente, fora do período da Lava-Jato, e com outras raras exceções, como no caso do mensalão, a Justiça não tem funcionado contra os poderosos. E mesmo em outros casos. Está ocorrendo, lá no Rio Grande do Sul, o julgamento da boate Kiss, 242 vítimas daquele incêndio em 2013. Estamos em 2021, e o julgamento começou. Tem um longo caminho ainda pela frente. Qual sistema de Justiça pode ser considerado eficiente quando houve 242 vítimas, e seus familiares, sem falar nos feridos, esperam por justiça desde 2013 sem que o julgamento tenha terminado? E veja que ele está começando. Nós nos acostumamos com tantas coisas absurdas e temos que mudar isso.
Como?
Temos que ter um serviço público de qualidade, educação, saúde, segurança, mas igualmente, justiça. As pessoas precisam de justiça. A proposta da Corte Nacional Anticorrupção é baseada em modelos que têm funcionado no estrangeiro, inclusive com apoio do Banco Mundial e de associações de magistrados. A ideia não é criar um tribunal com mais juízes e mais servidores, impactando o orçamento público. A ideia é utilizar as estruturas já existentes e atrair para a corte nacional anticorrupção os melhores servidores e os melhores magistrados do Judiciário, por meio de um processo seletivo que leve em conta, com procedimentos de devida diligência, não só a integridade dessas pessoas, mas também o comprometimento com o combate à corrupção, sem aumentar custos orçamentários.
O senhor foi considerado suspeito pelo STF no julgamento do ex-presidente Lula. Como vai responder a isso numa campanha eleitoral?
Estou olhando o presente e o futuro, os projetos que interessam às pessoas. Em relação a esse passado, tem tudo detalhado no meu livro. Com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, tem que se respeitar as instituições, mas esse julgamento foi um tremendo erro judiciário. A história vai demonstrar. Todo mundo sabe o que aconteceu lá no passado. A Petrobras foi roubada. Criminosos confessaram. Devolveram milhões de dólares. A Petrobras reconheceu lá o rombo de R$ 6 bilhões. Tudo isso durante o governo do ex-presidente. Antes, teve o caso do mensalão. Então, por mais que a gente respeite o Supremo Tribunal Federal, é forçoso aqui fazer uma crítica que esse foi um grande erro judiciário.
Por quê?
A gente precisa ter cortes de justiça comprometidas na aplicação da lei. Nos casos em que pessoas praticaram crimes, se isso estiver provado, você tem que extrair as consequências. E as pessoas têm que ser punidas, por uma questão de justiça. Isso é importante também para a gente evitar novos desvios e construir o futuro. Respeito o Supremo, tenho um grande apreço pelo ministro Luiz Fux, uma pessoa que tem se mostrado firme no discurso e nas ações para combater a corrupção. Agora, esse julgamento foi um erro judiciário.
Nessa questão do combate à corrupção, está todo mundo dizendo que o senhor vai apanhar muito dos dois lados, tanto do ex-presidente Lula, quanto do presidente Jair Bolsonaro. Como vai enfrentar isso na campanha?
Nosso foco será apresentar um projeto consistente. A ideia da nossa proposta é colocar as pessoas em primeiro lugar. As pessoas acima de tudo. Queremos apresentar propostas consistentes para a população brasileira. Estamos ouvindo os melhores especialistas do país. Vamos rodar o Brasil para ouvir as pessoas sobre esse projeto e aprimorá-lo, ver o que funciona e o que elas querem para o futuro do país. Nosso projeto pretende ser propositivo. Tem uma coisa que nos favorece: a verdade está do nosso lado.
Por que diz isso?
No livro que escrevi recentemente, sobre a minha experiência da Lava-Jato e, depois, do governo, faço um retrato do que aconteceu no passado, embora queira olhar o presente e o futuro. E os fatos estão do meu lado. As pessoas perguntam: ‘Essa é a sua versão dos fatos?’ Não, esses são os fatos. As pessoas têm direito a ter opiniões, mas os fatos são esses. Existem esses tais fatos alternativos? Não. O que existe é mentira. E a verdade está do nosso lado, porque todo mundo sabe que a Petrobras foi roubada durante o governo do Partido dos Trabalhadores. E o governo atual, que prometeu combater a corrupção, desmantelou os sistemas de controle. O governo atual não está nem aí para o combate à corrupção. Ele se manifestou a respeito da execução em segunda instância? Não tem nenhuma proposta. A Polícia Federal de hoje, as pessoas sabem, respeito muito a Polícia Federal como instituição, os delegados, os peritos, os agentes, os servidores. Mas a Polícia Federal de hoje não é a mesma da época da Lava-Jato. O cenário mudou completamente.
Está pior?
Pior. Temos uma liderança no país que não se importa com o combate à corrupção. Isso tem que mudar. Mas vamos apresentar propostas, proposições para construir e não para ficar se preocupando com que essas outras figuras têm… A gente sabe que vai ser agressivo. Não tenho nenhum problema em relação a isso. Fui juiz de casos do colarinho branco, Banestado, Lava-Jato, casos de grande corrupção. Mas fui juiz de casos envolvendo o crime organizado, líderes de cartel do Juárez, do México, uma das maiores organizações criminosas do mundo; Fernandinho Beira-Mar. Estou acostumado a ter pressões e ter riscos. Não vou deixar de fazer o que acho certo por conta de cara feia, de adversários do próximo ano.
Nas redes sociais, a campanha será muito forte nessa questão, como o senhor disse, das versões dos fatos. Como está se preparando para responder a isso?
Sabe aquela série que dizia ‘A verdade está lá fora’? (referência ao programa de TV americano (Arquivo X) No que eu acredito? Acredito que a verdade está dentro das pessoas. As pessoas sabem o que aconteceu. A informação pode ser manipulada, as pessoas muitas vezes são influenciadas por mentiras, e há pessoas que entendem que fazer política é mentir. Eu entendo o contrário. Temos que trabalhar a política e ser sincero com as pessoas. Dizer tudo. Não só o que aconteceu, mas o que a gente pretende fazer. E a minha experiência é que as pessoas respondem bem quando você fala a verdade para elas, sobre o que aconteceu e o que pretende fazer. Vamos ter pessoas, junto do nosso projeto, trabalhando com a rede social. Mas sem a utilização de robô, de fake news, de mentira. E sem agredir e sem ofender ninguém.
Esse compromisso vale também para a imprensa?
Sim. Tenho reiterado isso diversas vezes. Vamos ter uma relação saudável com a imprensa. Valorizar a imprensa e os jornalistas. Não vamos fazer como esses adversários que agridem a imprensa, ofendem jornalistas, tentam intimidar, sejam eles mesmos, seja por meio de pessoas que agem a mando deles, ou propor censura. Ou controle ‘social’ da imprensa. Liberdade de imprensa e liberdade de expressão são fundamentais em uma democracia. É no campo das convergências, mas também das divergências, que encontramos caminhos comuns. Vamos valorizar acima de tudo o diálogo.
A questão econômica promete pesar nessa campanha, e o senhor já se referiu a cuidar das pessoas. A gente sabe que o orçamento é restrito. Onde o senhor vai investir mais? O que esperar de um projeto social de Sergio Moro e do Podemos?
Na minha visão sobre o país, eu confio na iniciativa privada e no poder de inovação do setor privado. Acredito que cada pessoa pode se tornar uma versão melhor dela mesma. E o setor privado tem uma grande criatividade, apesar de muitas amarras colocadas pelo governo, às vezes, burocracia desnecessária. Então, temos que fomentar o desenvolvimento econômico por meio do setor privado. Isso é fundamentalmente importante. Não teve um país que prosperou — Estados Unidos, ou mesmo a China —, sem um setor privado que seja vigoroso e próspero. Mas, também, vamos reconhecer que políticas sociais são fundamentais, especialmente, num país como o Brasil, de grandes desigualdades. Estamos assistindo a um crescimento da pobreza que é extremamente preocupante.
Como mudar essa realidade?
Educação, saúde e segurança são fundamentais. As pessoas querem serviço público de qualidade. Estudei em escola pública. E estudei também em escola privada, em escola religiosa, católica, das irmãs Carmelitas. Na época, a qualidade era muito parecida, não era lá muito diferente. Depois, você teve uma universalização do ensino público importante, principalmente, no governo do presidente Fernando Henrique, com o ministro Paulo Renato (Educação). Mas perdeu-se bastante, ou pelo menos em alguns lugares, a qualidade. E as pessoas que mandam seus filhos para a escola ficam preocupadas, porque elas querem que os filhos tenham um futuro melhor do que elas mesmas. Então, temos que investir pesado nas escolas, valorizar o professor, buscar instituir formas de meritocracia dentro do serviço público, e aqui educação incluída, e pensar educação principalmente na perspectiva do estudante. Professor é importante, meus pais são professores, minha mãe era professora do ensino médio, meu pai era professor de universidade. Tenho esse histórico, eu mesmo dou aula. Acredito no poder do ensino, e temos que pensar a educação do ponto de vista do estudante.
E em relação à miséria?
Ao lado da questão do ensino, precisamos ter um programa forte de erradicação de pobreza. Esses programas de transferência de renda são importantes, precisam ser mantidos. Tenho conversado com especialistas, alguns são os melhores do Brasil, e eles têm me dito que, para fazer as pessoas escaparem das armadilhas da pobreza, é preciso ter uma atenção individualizada, ou até mesmo direcionada a uma comunidade específica. As pessoas precisam ser vistas com atenção, ser colocadas em primeiro lugar. Às vezes, é um tratamento de saúde específico, um treinamento profissional, oportunidade de emprego. A ideia é criar uma força nacional de erradicação da pobreza no formato de uma agência.
Como assim?
Criar uma agência como essas reguladoras, mas um pouco diferente, e com uma missão específica, erradicar a pobreza no país. Trazer para essa agência a elite do funcionalismo público brasileiro, para a gente ter políticas transversais, educação, saúde e, eventualmente, o que mais for necessário para remediar essas situações específicas. E atuar no país inteiro. Aí você tem uma missão e você sabe onde cobrar. O lado bom é tirar isso da política partidária. Se você cria uma agência, isso passa a ser política de Estado e não uma política de governo. A gente fala da Polícia Federal, que tem que ser de Estado e não de governo. A mesma coisa deve ser a erradicação da pobreza, política de Estado, permanente, vigorosa, focalizada para atender os mais vulneráveis.
Para fazer tudo isso, o senhor precisará de apoio no Congresso Nacional. Como será o trato com parlamentares?
Boa política depende de projeto consistente, princípios e valores e intenso diálogo. Estamos trabalhando em três frentes: construindo um projeto consistente, fundado em princípios e valores. E, por outro lado, conversando com todo mundo, partidos, agentes políticos. Muita gente tem nos procurado, e nós também temos procurado várias pessoas. Não existe nenhum problema em tomar iniciativas e conversar com os outros. Agora, precisa ter um pacto político, e isso precisa ser durante o período eleitoral, durante o ano de 2022, em torno de um projeto que tenha um programa consolidado.
Como seria esse pacto?
É o mesmo pacto político que a gente tem que ter para construir a estabilidade econômica, que é a raiz da prosperidade. Dar condições para o país voltar a crescer e gerar empregos, renda e diminuir as desigualdades sociais. Agora, existe uma pauta de princípios e valores que nós não podemos transgredir. Não podemos construir governabilidade em cima de violações da lei. Até porque a gente vê a nossa experiência histórica e vê que isso não deu certo. O governo do PT, no qual ocorreram os dois principais escândalos de corrupção da história, o mensalão e o petrolão, acabou na recessão de 2014- 2016. O PT tenta esconder tantos os escândalos de corrupção quanto a recessão.
O senhor propõe um novo modelo de governabilidade, aparentemente.
O modelo de governabilidade fundado na corrupção não funciona. O governo atual começou com uma promessa de consolidação do combate à corrupção. A promessa era falsa. No governo, eu lutava sozinho por isso, praticamente. E o que o governo atual está nos entregando? Recessão. Isso significa menos emprego, menos renda. Então, vamos fazer algo diferente, vamos fazer um projeto consistente, técnico, conversando com especialistas, com as pessoas e um pacto político em cima desse projeto. Mas não vamos abdicar dos nossos valores, porque a gente sabe como isso termina e não termina bem.
PASSAGEM NO GOVERNO
“Como eu vou negar à população brasileira a oportunidade de ir para Brasília e construir um país melhor? Eu aceitei. E continuei no governo. E foram feitas coisas boas”. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro não se arrepende de ter dito sim ao presidente Jair Bolsonaro em 2018, mas critica os repetidos ataques que tem recebido do chefe do Executivo. Segundo Moro, “o presidente quer desviar a atenção das pessoas” porque não tem projeto de país. “Seu único projeto é a reeleição”, afirma, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense.
Segundo ele, que hoje no Recife para lançar seu livro de 288 páginas, Sergio Moro contra o Sistema da Corrupção, seu plano principal na Justiça era a consolidação dos avanços contra a corrupção feitos por ele durante a operação Lava-Jato como juiz. Ele lamenta, contudo, não ter tido apoio de Bolsonaro durante o tempo à frente da pasta. “Se o ministro não tem apoio do presidente da República, como é que ele consegue convencer o Congresso, o Supremo Tribunal Federal?”
Segundo o candidato do Podemos, Bolsonaro “não está nem aí para o combate à corrupção”. Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisa que seu “navio já zarpou”, e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros tenham essa disposição. No embalo para 2022, o presidenciável lança ainda a candidatura do senador José Antônio Reguffe (Podemos) ao Governo do Distrito Federal.
Arrepende-se de ter participado do governo do presidente Jair Bolsonaro?
De forma alguma. Eu era juiz da operação Lava-Jato. Junto com vários outros magistrados, procuradores, advogados, de várias instâncias, com grande apoio popular, milhões de brasileiros saíram às ruas. Nós quebramos a impunidade da grande corrupção. Esse é um trabalho que me traz muito orgulho. Agora, em 2018, eu recebi um convite do presidente eleito. E vamos voltar os nossos relógios a 2018: a visão que se tinha era diferente da presente. Eu recebo um convite do presidente eleito para consolidar os avanços contra a corrupção. Eu pensei, assim, olha, o presidente é um personagem controvertido, mas, como milhões de brasileiros, todos acreditaram que tinha uma chance de dar certo. Mesmo aqueles que não acreditavam, esperavam que estivessem errados. Como eu vou negar à população brasileira a oportunidade de ir para Brasília e construir um país melhor? Eu aceitei. E continuei no governo. E foram feitas coisas boas.
O quê, por exemplo?
Nenhum Ministério da Justiça como o nosso, durante a minha gestão, combateu mais rigorosamente o crime organizado. Mesmo quem não gosta de mim reconhece isso. Enfrentamos lideranças das maiores organizações criminosas do país. Tivemos uma queda no número de crimes durante o primeiro ano da minha gestão. Caíram 19% os assassinatos no país. Tivemos programas muito exitosos, como a execução da rede nacional de perfis genéticos, abandonada em governos anteriores e outros. É claro que, quando a gente olha a segurança pública, ainda ficamos insatisfeitos. Não se consegue resolver tudo em um ano e quatro meses. Conseguimos fazer muita coisa.
E em relação ao combate à corrupção?
No meu plano principal, que era a consolidação dos avanços contra a corrupção, sinceramente, eu não tive apoio do presidente da República. E se o ministro não tem apoio do presidente da República, como é que ele consegue convencer o Congresso, o Supremo Tribunal Federal? Resistência no Congresso e no Supremo é normal, é da separação dos Poderes. Então, você tem que construir. Mas, se eu tinha o presidente sabotando, dia após dia, o combate à corrupção, não tinha condições de avançar.
Uma das bandeiras que o senhor defendeu foi a prisão em segunda instância.
Temos a PEC da segunda instância, pauta importante para o país, independentemente da questão eleitoral. Vamos ver se o presidente se manifesta sobre isso. No passado, ele não falou nada, quando o Supremo reviu a execução em segunda instância. Na verdade, com todos aqueles criminosos sendo colocados em liberdade, seja por corrupção, seja por outros crimes, o presidente não se importou. Na época, trabalhei para manter a execução em segunda instância. Fui ao Supremo, falei com ministros. Enquanto o Planalto não fez nada. Quando o Supremo reviu a decisão, eu lamentei, mas respeito o Supremo, fui construir uma resposta. Procurei o Congresso, o Senado e a Câmara, e defendi a volta da execução em segunda instância.
E o Planalto impôs obstáculos?
Um ministro do presidente me procurou e disse: ‘Moro, não mexa nisso, o presidente não quer que mexa nisso’. E eu falei para o ministro: ‘Ministro, essa é uma pauta para o país. Não importa o que o presidente quer para isso. Meu compromisso principal é com a população’. Isso está registrado, está provado, filmado, as declarações públicas, minhas reuniões com os congressistas para restabelecer a execução em segunda instância. Agora estou falando de novo. Quero ver o que o presidente da República vai falar sobre essa pauta, se é que vai falar. Não acredito nisso.
Na última live, Bolsonaro xingou o senhor. Na filiação ao PL, o senador Flávio Bolsonaro disse, ‘Moro nos traiu e humilhou uma mulher (deputada Carla Zambelli)’, numa alusão ao eleitorado feminino…
Eu e o presidente somos pessoas muito diferentes. A minha proposta é construir um projeto de país e apresentar aos brasileiros e brasileiras. Inclusive, resguardar o direito das mulheres, promover esses direitos é parte fundamental desse projeto. Temos que perseguir melhor igualdade entre os homens e as mulheres no Brasil em diversos setores. Tenho uma filha e quero que ela possa, na vida, competir em condições de igualdade com os homens. Não vou entrar nesse baixo jogo, de ficar ofendendo, de ficar mentindo em relação ao que aconteceu. As pessoas sabem a verdade. O que acontece aqui é que o presidente quer desviar a atenção das pessoas. O presidente não tem projeto de país. O único projeto é a reeleição. O presidente não é uma liderança que inspira as pessoas. Se você não tem um líder, não tem um projeto, o país não vai a lugar nenhum.
Como o senhor pretende se contrapor ao presidente?
Vamos demonstrar que somos sérios, não somos agressivos, mas que o nosso projeto é vigoroso. Consistente do ponto de vista técnico e fundado em princípios e valores e no diálogo. E diálogo com todo mundo. Não vamos entrar nessa baixa política, que o presidente quer nos arrastar porque não tem o que apresentar. O que o presidente tem a apresentar para os brasileiros? Gasolina a quase R$ 7, preços no mercado subindo. Juros? Banco Central aumentou porque tem que controlar a inflação já que o país perdeu a credibilidade fiscal. Isso vai aumentar a dívida pública e vai aumentar a dívida das pessoas. Olhe lá o seu cartão de crédito, a sua conta no banco. Olhe as pessoas passando fome, as mais de 600 mil vítimas da pandemia. Isso é o que o presidente quer esconder. E ele faz essas brincadeirinhas dele, que talvez ele ache engraçado, as pessoas ali em volta dele achem engraçado. Acho que o país merece honestidade e seriedade. E o nosso projeto não vai entrar nesse tipo de brincadeira.
O senhor vai conversar com todos que postulam a condição de nome da terceira via?
Primeiro, vamos esquecer essa expressão terceira via. Terceira via parte do pressuposto que temos dois candidatos inevitáveis e que seriam favoritos, que é o atual presidente e um presidente anterior. Eu, sinceramente, não acredito nisso. Não acho que o Brasil vai ser forçado a ter escolhas tão trágicas assim. É um governo que não funciona e um governo que não funcionou no passado. Ninguém quer isso de volta. Vamos ver o que vai acontecer nas eleições do próximo ano. Eu apresentei o meu nome. Quero construir um projeto e estou colocando de maneira muito clara. Meu objetivo é liderar esse projeto. Mas estamos conversando com todo mundo. E não só agora. Conversamos também no passado, porque o diálogo é importante, é relevante para a gente construir um país melhor e não tratar todo mundo nessa lógica, que são dos dois extremos, de amigo-inimigo. Todas as portas estão abertas para todas as pessoas.
O senhor está interessado em convergir propostas, então.
Qualquer pessoa que queria apresentar um projeto para o país tem que pensar que estamos todos no mesmo barco. Se temos desafios, são de crescimento econômico, erradicação da pobreza, inserção do Brasil no mundo. Hoje, temos uma imagem terrível perante a comunidade de nações, muito por conta do atual governo. O país não vai crescer se ele não se inserir na economia mundial de uma maneira mais vigorosa. Isso depende de a gente resolver nossos problemas internos, mas também de a gente abrir os mercados externos. E fundamentalmente aí nós não podemos brigar desnecessariamente com nossos vizinhos. Hoje, todos nesse mundo globalizado são nossos vizinhos. Precisamos buscar acordos comerciais internacionais.
O Brasil está isolado?
A gente nunca sabe o que vai acontecer na economia, mas algumas previsões eu posso te oferecer: sabe quantos acordos internacionais comerciais o governo atual vai fazer até o final do mandato dele? Zero. Se for reeleito, você pode fazer a adição de mais um zero. Ninguém quer fazer acordo com o Brasil. O acordo que foi feito no começo do governo, e não graças ao presidente, com União Europeia e Mercosul, está parado. E não vai andar na Europa enquanto o presidente for Jair Bolsonaro. O Brasil destruiu essas pontes. O presidente destruiu essas pontes. Temos que reinserir o Brasil no mundo, e isso depende de mudança.
Aceitaria o papel de coadjuvante, ou seja, de ser vice nesse processo de construção para 2022?
Nós colocamos nosso projeto em andamento. Dá para usar aquela expressão, este navio já zarpou. Acredito que o nosso projeto, trazendo os partidos, a sociedade, convencendo a população de que nosso projeto é consistente, e a credibilidade das pessoas que estão nele envolvidas, é o que tem a melhor chance de êxito. Nunca tive a ambição pessoal de ser presidente. Para evitar os extremos, se outro projeto tiver melhores chances, não teria problemas em abrir mão. Agora, acredito na liderança do nosso projeto. Assim como acredito que poderia abrir mão, espero que outros tenham o mesmo entendimento, porque nós precisamos somar. Acho que a eleição do próximo ano será decisiva na história da nossa República desde a redemocratização.
Por quê?
Estamos brincando na beira do abismo, tanto econômico quanto democrático. Pensando em algo essencial numa democracia, é preciso prevenir tanto o autoritarismo quanto a corrupção, a integridade das nossas instituições. Acreditamos no nosso projeto. Acreditamos que vamos avançar, com humildade, mas com crescente confiança. Temos o projeto com melhores chances de vencer esses dois extremos.
Que outros partidos podem se aliar ao Podemos?
Haverá chance de aliança com todo partido que tiver comunhão com nossos princípios e nossos valores; uma visão liberal de economia, sem prejuízo de políticas sociais consistentes. Uma visão de que o governo tem que ser eficiente para que possa ter condições, não só de evitar os desperdícios, mas prestar serviços públicos de qualidade; um governo que tem que ser íntegro, honesto, que tem que ter um compromisso com o combate à corrupção. Todos os que comungarem com esses princípios e valores. Tem muita gente boa na política em todos os partidos, e todos que pensam dessa forma são bem-vindos.
O União Brasil é quem está mais perto de pegar a vice?
Temos conversado com União Brasil, Novo, Cidadania, PSDB, eu sou um homem do diálogo. E sou também um homem de princípios e valores, e as duas coisas não são incompatíveis. A política é a arte do diálogo fundada em princípios, valores e projetos, evidentemente. Agora, temos que estabelecer limites e basear essas conversas em um projeto. Não adianta a gente conversar apenas pensando em preferências pessoais e proximidade. A gente tem que ter um projeto de país, e isso não existe há muito tempo.
E o Distrito Federal?
O senador Reguffe é um grande quadro político brasileiro. Tem um histórico de vida pública. Tem demonstrado tanto integridade como também compromisso com boas causas perante o Congresso. É conhecido da população do Distrito Federal pela sua simplicidade, pela forma como aborda as pessoas, utiliza os meios digitais para divulgar o que faz, mas tem essa característica da pessoa na rua conversando e convencendo. É pré-candidato, sim, ao governo do Distrito Federal. Tenho convicção de que ele tem grandes chances, pelo trabalho que construiu durante a carreira pública, de ser o próximo governador do Distrito Federal. Se ele escolher ser candidato, terá meu apoio.
Correio Braziliense Foto: Divulgação